CARTA DE PEDRO I À MARQUESA DE SANTOS - I

Notez-moi sur un cahier tous les actes de votre journée et je vous dirai votre caractère.
Stendhal


Estava “namorando” a minha simples biblioteca, mas, lindíssima, numa madrugada chuvosa e friorenta, úmida, como acontece no solstício da invernia, e sempre disposto, com a insônia de sempre, furtei da sua “perfilação” um livro que encerra uma série de cartas de D. Pedro I (o “Demonão”) a D. Domitila de Castro Canto e Melo, que se assinava Domitília, nome de batismo (a “Titília”, no tratamento íntimo).

Longe de mim, pretender fazer uma suma das Notas de Rangel, mas, simples explicações, diminutas, pois, ele era de uma completude que, sumarizá-las, escorreitamente, com detalhes, seria uma temeridade, pelo menos para mim. Então, para que o leitor, que não se dispõe a uma profunda pesquisa, e aqui, apenas ao prazeroso, tentarei dizer-lhe algo para que as conjecturas não se hipertrofiem, criando, para ele, um verdadeiro estorvo, afugentando o deleite da leitura. Todavia o livro está nas livrarias, à disposição de todos. Acho até que, para quem se predispuser a uma pesquisa, não haveria, logo à mão, fonte mais caldalosa.


Santa Cruz, 17 de novembro de 1822.

Cara Titília2

Foi inexplicável o prazer que tive com as suas duas cartas.
Tive arte de fazer saber a seu pai3 que estava pejada de mim4 (mas não lhe fale nisto) e assim persuadi-lo que a fosse buscar e a sua família, que não há cá morrer de fome, muito especialmente o meu amor, por quem estou pronto a fazer sacrifícios.

Aceite abraços e beijos e fo...
Deste seu amante que
Suspira pela ver cá o
quanto antes,

O Demonão7

(Acervo da Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional.)


Notas, resumidíssimas, de Rangel:

1. Fazenda dos Jesuítas, distante do Rio de Janeiro 11 léguas (mais ou menos 72km, chamada légua de sesmaria - Aurélio. D Pedro I, apreciava muito estar por lá.);

2. Títília, designação íntima de D. Demetília (ou Domitila, Domitilla, como D. Pedro escrevia-o, Demetília, Dimitília, Domitildes e até Metilde;

3. O seu pai chamava-se João de Castro, “alcunhado de ‘Quebra-Vinténs’ por sua força física”. Natural de Angra do Heroísmo, na ilha Terceira e de origem fidalga. Inspetor das Estradas de São Paulo, 1921. Casou-se com D. Escolástica Bonifácia de Toledo Ribas. Gentil-homem da casa Imperial e comendador de Avis, 1825, estribeiro-mor do Império. Foi o primeiro visconde de Castro, em 1826. Antes disso ocupara, em Portugal e no Brasil, respectivamente, inúmeros cargos militares de alta patente (1768-1798).

4. Como disse Alberto Rangel, que não posso resumir para um bom entendimento: “As relações mais íntimas da paulista com dom Pedro realizaram-se desde agosto de 1822. A prenhez [daí o “... pejada de mim...”] que daria em resultado o aparecimento de dona Isabel Maria, a primogênita de D. Pedro nesses amores espúrios, ter-se-ia iniciado em setembro de 1823. Na data da presente carta deveria andar o estado de gravidez de dona Domitila bastante adiantado. Consta que o primeiro filho de dona Domitila com D. Pedro I foi um menino que não vingou. O barão de Maréschal deve ter a ele aludido, quando a 16 de março de 1826 escrevia: “O que me parece estranho é que à morte do último filho natural do imperador, a qual informei a Vossa Alteza, apesar do profundo sofrimento do príncipe não se fez qualquer aparato na cerimônia fúnebre.”

5. “Quando dom Pedro tornou de São Paulo em setembro de 1822, onde iniciou em agosto anterior os seus amores com dona Domitila, esta havia ficado em São Paulo, onde vivia separada de seu marido e em companhia da sua família. Só viria para a Corte, com pai, as irmãs casadas e os outros irmãos, a chamado de dom Pedro. E isso quando? Ignora-se a data precisa. Interessante é que nem o seu nome nem o de seus pais e irmãos apareçam em relações de subscrições do primeiro semestre de 1823, como fossem a Relação das quantias pra a expedição da Bahia, a subscrição para os arcos triunfais etc.”

6. Sabe-se que a família de dona Domitila, resumia-se a seus pais, “... seus filhos legítimos e ilegítimos, seus sete irmãos, dos quais quatro masculinos e que foram todos militares do Exército. Cercavam-na, depois de estabelecida na Corte, também, alguns outros parentes: tia-avó, cunhadas, o tio materno Manuel Alves, sobrinhos e duas primas. Dizia o barão de Maréschal, em relatório de 24 de abril de 1827: “A família aflui de todos os cantos; uma avó [seria, talvez, a tia-avó], uma irmã e uns primos acabam de chegar”.

7. “Demonão”, presume-se ser um tratamento dado a D. Pedro por dona Domitila, “... de maior intimidade.
Luiz de Carvalho Ramos

Fonte: CARTAS DE PEDRO PRIMEIRO À MARQUESA DE SANTOS / Arquivo Nacional, Notas de Alberto Rangel, p. 53-63; [coordenação editorial de Emanuel Araújo]. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984
Luiz de Carvalho Ramos
ANENCEFALIA – FIM DA LINHA



"Impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá, causando-lhe dor, angústia, frustração, importa violação de ambas as vertentes de sua dignidade humana. A potencial ameaça à integridade física e os danos à integridade moral e psicológica na hipótese são evidentes. A convivência diuturna com a triste realidade e a lembrança ininterrupta do feto dentro de seu corpo, que nunca poderá se tornar um ser vivo, podem ser comparadas à tortura psicológica." - Professor Luís Roberto Barroso.

Após o "decisum" do eminente ministro do Supremo Tribunal-ST, Marco Aurélio de Mello (27.04.2005 – 7 votos a quatro), concedendo à Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde – CNTS medida liminar na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – APDF, nº 54, autorizando a antecipação terapêutica de parto nos casos de anencefalia, o que levou a sociedade a polemizar o assunto. Naquela oportunidade, acompanharam o voto do ministro Marco Aurélio (1), os eminentes ministros Celso de Mello (2), Sepúlveda Pertence (3), Nelson Jobim (4), Carlos Ayres Britto (5), Joaquim Barbosa (6)e Gilmar Mendes (7). Votaram contra a admissibilidade da ADPF, os eminentes ministros Cezar Peluso (1), Eros Grau (2), Carlos Velloso (3) e Ellen Gracie (4). Ulteriormente, a liminar, em sessão plenária, foi cassada por maioria de votos, auscultada e acatada a manifestação do eminente ministro Eros Grau.

A anencefalia, assim é definida pelos médicos: “Uma malformação congênita que se caracteriza geralmente pela ausência da abóbada craniana e massa encefálica reduzida”. Entretanto, o assunto está aberto a discussões. "O termo anencefalia é impróprio, uma vez que não há ausência de todo o encéfalo, como o termo sugere. O encéfalo compreende várias partes, sendo as principais o telencéfalo (cérebro ou hemisférios cerebrais), o diencéfalo (do qual fazem parte o tálamo e o hipotálamo), tronco encefálico (mesencéfalo, ponte e medula oblonga). O cérebro é a parte anterior e superior da massa encefálica e ocupa a maior parte da cavidade craniana”. Pergunta-se, ainda: Havendo morte encefálica a criança não estaria morta? “É importante essa pergunta, pois no encéfalo não se caracteriza a morte encefálica. Inadvertidamente querem igualar a falta de hemisférios cerebrais com a morte encefálica. Os critérios para diagnosticar a morte encefálica não são aplicáveis cientificamente a crianças menores de dois anos, muito menos a crianças intraútero, quando nem se pode fazer os testes necessários ao diagnóstico. Uma vez nascida a criança anencefálica, responde a estímulos auditivos, vestibulares e dolorosos e apresenta quase todos os reflexos primitivos dos recém-nascidos, conforme informam os Professores Aron Diament e Saul Cypel da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em “Neorologia Infantil”, 3ª edição, Editora Atheneu. A criança anencefálica é um ser humano vivo, com toda a sua dignidade que lhe é conferida pela sua natureza humana”.

Qual a avaliação que o senhor faz da decisão do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal brasileiro, de autorizar o aborto em caso de anencefalia fetal?

“Decisão apressada, tendenciosa e, segundo muitos juristas, é inconstitucional porquanto macula o artigo 5º da lei suprema [corresponde à garantia da proibição de pena de morte], que considera inviolável o direito à vida. Além disso, viola o artigo 4º da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, também denominada de Pacto de San José da Costa Rica [no inciso 1 do Art. 4: “Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”, mas admite a pena de morte "oficial", aceitação inserta no inciso 2, nos Estados que não a aboliram, v.g., EEUU, Cuba, China e alguns países árabes], tratado internacional sobre direitos fundamentais a que o Brasil aderiu, e que declara que a vida começa na concepção [a vida em sua plenitude, e não, uma vida que sabemos quase pronta, que não vinga a completude, tornando a morte "inevitável e certa"]. Do ponto de vista ético foi uma aberração conceder aos médicos uma função de carrasco para matar seres humanos inocentes, função para a qual nós, os médicos, não fomos formados ” (“Entrevista com Dernival da Silva Brandão, Especialista em Ginecologia e Obstetrícia e Membro Emérito da Academia Fluminense de Medicina, que esclarece as questões referentes à gestação de um feto com anencefalia e o porquê de não se permitir o aborto neste caso. O tema ganhou destaque na sociedade brasileira, após o ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, decidir pelo aborto em caso de anencefalia). A entrevista completa, encontra-se no site ZENIT.org.

A Dra. Gizele Thame, biomédica, conforme artigo intitulado "Defeitos do tubo neural podem ser causados pela deficiência de folato", nos ensina que “a anencefalia [ausência total ou parcial do cérebro] é doença grave que geralmente causa a morte da criança e poderia ser evitada (como outras patologias) com simples medidas de suplementação de folato (ácido fólico)”. Ela insiste na importância da conscientização da mulher em idade reprodutiva e, principalmente, da classe médica responsável pela recomendação da suplementação antes da gravidez. “A porcentagem de médicos que tem consciência dessa necessidade é muito pequena. Nos centros de indução de ovulação a recomendação seria fundamental, mas nem sempre existe. E como a anemia por falta de ferro é a mais freqüente, estuda-se menos o folato”. Diz o articulista, que a Dra. Gisele Thame enfatiza a importância de medidas preventivas e campanhas nacionais de esclarecimento... “A seu ver, se o feto nasceu sem cérebro, já nasceu com “morte cerebral”. Dra. Gisele já iniciou sua pesquisa de doutorado dando continuidade a este estudo. Para tanto, solicita aos obstetras que encaminhem gestantes com essa diagnóstico para realização de exames de sangue gratuitos”.
Conforme, felizmente, enfatizou a Dra. Gisele Thame, a prática de medidas necessárias que poderiam evitar os defeitos no tubo neural (e outras patologias), "in casu", com a suplementação de folato (ácido fólico) às gestantes, indicando, inclusive, o "modus faciendi" de outras atitudes que debelariam o mal indesejado.

O que mais nos impressionou da leitura do texto da biomédica Dra. Gisele Thame, entre outras observações, foi o fato de haver reconhecido que “A porcentagem de médicos que tem consciência dessa necessidade é muito pequena...” De outro modo, portanto, incompossível o aborto. Daqui para frente, no evolver da vida e do Direito, nada mais nos restará senão raspar o fundo da cuia e oferecer à sociedade a trilheira da melhor conduta que satisfaça a todos os envolvidos nessa trama do cotidiano.

A Conselheira do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP, no Parecer Técnico protocolizado sob nº 08001.002110/2005-21, datado de 13 de fevereiro de 2006, opina, com espeque em manifestação médica, "ipsis litteris": "A medicina afirma sem margem de erro: não há possibilidade de vida fora do útero e por isso o feto que padece de anencefalia é considerado natimorto. Mais de 65% dos casos resultam em morte ainda dentro do útero. Ao lado desta constatação, lembrem-se que o nosso sistema jurídico abriga a lei dos transplantes (lei federal 9.434/97) que considera cessada a vida quando se dá a morte encefálica - de acordo com a referida legislação, a retirada de tecidos ou partes do corpo humano para transplante deve ser precedida pela morte encefálica. A resolução do Conselho Federal de Medicina, nº 1.752, de 8 de setembro de 2004, autoriza o transplante de órgãos do anencéfalo após o seu nascimento. A mesma resolução considera os anencéfalos "natimortos cerebrais" e diz que possuem "inviabilidade vital por ausência de cérebro". Assim, considerando o tratamento que o sistema jurídico pátrio confere a estas questões, o projeto de lei em análise está em perfeita sintonia com os valores vigentes em nosso meio; não há nele nenhuma inconsistência ou paradoxo.

Veja-se: Se o nosso sistema jurídico punisse a mulher cuja gravidez resultou de estupro e decide abortar; se obrigasse a mulher a sacrificar sua vida em favor da vida em gestação; se obrigasse os médicos a manter os batimentos cardíacos depois de constatada a morte cerebral; se trouxesse valores impassíveis de qualquer espécie de relativização, aí então, e só assim, a proposta em análise traria uma tremenda novidade que estaria a exigir profundo debate pois sua adoção configuraria uma mudança de padrão ético vigente em nossa sociedade. O fato é que, quando da elaboração do Código Penal, inexistia tecnologia apta a fornecer diagnósticos precisos como os atualmente disponíveis. Fosse assim, é provável que o legislador de 40 houvesse incluido no artgo 128 a proposta que agora, passados 66 anos, é capaz de causar tanta polêmica."Pois bem. No dia 13/2/2006, reunido o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP, este órgão aprovou por unanimidade, no uso de suas atribuições, parecer favorável ao Projeto de Lei 4.403, da deputada Jandira Feghali, que insere o inciso III no Art. 128 do CP, “ipsis litteris”:
III – “Houver evidência clínica embasada por técnica de diagnóstico complementar de que o nascituro apresenta grave e incurável anomalia que implique na impossibilidade de vida extra-uterina”.
Entretanto, somos sensíveis à emenda do deputado Rafael Guerra, uma vez que o parlamentar alveja a anencefalia, ponto nevrálgico de toda a discussão derredor de tema tão polêmico por razões legais, éticas, morais, religiosas, etc. Outros casos, a meu sentir, deverão ser apreciados de “per se”, rechaçando generalizações, essas abstrações sempre eivadas de temeridade. Sobretudo, vale a boa intenção da deputada Jandira Feghali e do deputado Rafael Guerra, o emendador.

O parecer da CNPCP, aprovando o Projeto de Lei 4.403, propiciando o aborto de anencéfalos, será encaminhado ao Congresso Nacional. Enquanto, isso, a ADPF está em curso no Supremo Tribunal Federal – STF. Congratulamo-nos com o STF, CNPCP, que se manifestou, escorreitamente, através do Parecer Técnico, Protocolo 08001.002110/2005-21, Procedência: SUPAR - ART POLÍTICA, sendo da lavra da eminente Conselheira ANA SOFIA SCHMIDT DE OLIVEIRA, que propôs, também, "in fine", a "... alteração da redação para estender a hipótese à gestante incapaz - circunstância em que a autorização será fornecida por seu representante legal e para esclarecer o tipo de diagnóstico que se espera", "ipsis litteris":
III - "quando há evidência clínica embasada em técnica de diagnóstico complementar ao da gravidez de que o nascituro apresenta anencefalia e o aborto é precedido de consentimento da gestante, ou quando incapaz, de seu representante legal."
Parabenizamos, notadamente, os senhores deputados que teceram o Projeto descriminante (abolitio criminis) , Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, e o Professor LUÍS ROBERTO BARROSO, ilustre advogado da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde - CNTS, o emérito vencedor (temos a certeza) dessa causa que inspira controvérsia, “a latere” da sociedade brasileira, sensível e sedenta pelo aperfeiçoamento do nosso ordenamento jurídico, considerando o evolver do mundo da vida.

Agora, recebo a feliz notícia de que o Supremo Tribunal, auscultará o que diversas entidades têm a dizer, levantando questões e opinando, sobre o polêmico tema.

Mas, o Supremo Tribunal Federal deverá decidir pela suspensão de gestações de fetos anencefálicos. Certamente, algumas precauções serão impostas pelos juízes daquela Colenda Corte, com o fito de o sucesso dos procedimentos cirúrgico, sejam assegurados, tanto do ponto de vista médico, como legal. Ou seja, na gestante, serão feitos exames modernos de tomografia computadorizada - ou os que que mais apropriados se decida fazer, no caso, por uma equipe médica multifuncional - que revelarão, de forma inequívoca, a anomalia e, então, ficarão afastadas quasquer dúvida do que se trata, realmente. Ou de um feto anencefálico, o que pode por em risco a vida da gestante, afastando, ainda, a possibilidade de que fetos não anecefálicos, sejam retirados de úteros, pelo exercíco de fraudes, ou seja, oferecendo garantias sobra a sanidade, ou não, dos fetos. Todas essas comprovações, darão aos juízes do Supremo Tribunal, a tranquilidade necessária para decidirem.

O assunto, será levado a discussões em audiências públicas, cientistas, juristas, e até mesmo religiosos.

Luiz de Carvalho Ramos
Advogado

Referência:

Fonte:Site CONSULTOR JURÍDICO, 15.02.2006, disponível em http://www.conjur.com.br/
As demais fontes, constam do contexto desta manifestação.

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