Candomblé-Culto dos Orixás pelo povo de santo da ilha de Itaparica - I



Vamos falar sobre as trilheiras do candomblé, o culto dos Orixás pelo povo de santo, na ilha de Itaparica, que se localiza à S. O. da Baía de Todos os Santos, com 36km de cumprimento, e na largura 21km. Não será uma manifestação da minha lavra, não será uma pesquisa minha – mesmo porque alguns impedimentos não me permitem saborear dos arquivos históricos -, mas foi e será, uma importante informação que nos deixou Ubaldo Osório, na sua imortalidade, no seu livro A ILHA DE ITAPARICA – HISTÓRIA E TRADIÇÃO, IV Edição (todas esgotadas), 1979, p. 317-328. Mas, seria de todo interessante que nós brasileiros conhecessem mais essa religião que tem por base a alma- anima - da Natureza (Wikipédia). Acho mesmo que deveria ser matéria de ensino escolar. O alunado tenho certeza, se encantaria.

“O negro, no parecer de Gilberto Freire, foi, na América Portuguesa, o maior e mais plástico colaborador do branco, na obra da colonização agrária.

Em Itaparica, fomos ajudados, poderosamente, pelos escravos africanos.

As canas do massapê [terra argilosa, própria para a cultura da cana-de-açucar]. de Vera-Cruz, do Papa-Peixe, da Boa Vista e das Marcês, foram plantadas e ceifadas por eles, que ainda as conduziam para a moenda dos engenhos.

Nas casas de farinha, se encarregavam de tudo. Derrubavam matas e capoeiras, faziam a queimada, revolviam as terras e plantavam as manivas [mandioca].

Depois da colheita, levavam a mandioca, para a serva do rodête e enxugavam, nos tipitis, a massa com a qual preparavam, no calor do fogo, em alguidares de barro. Os beijus e a farinha.

Até nas ferrarias e nas armações de pesca, os negros, trabalhavam.

Segundo observações de Richard Burton, não o de Liz Taylor, claro, [Richard Francis Burton, n. Torquay, Devon, Inglaterra, em 10.03.1821 – f. Triestre, Áustria-Hungria, 20 de outrobro de 1890, foi um escritos, tradutor, lingüista, diplomata, geógrafo, poeta antropólogo, explorador, espadachim, agente secreto e diplomata britânico. Leiam a sua biografia na Wikipédia; interessante] a raça, especialmente quando cruzada, era material inflamável.

Do cruzamento do negro, ficaram, na ilha, os crioulos fortes e as mulatas requebradas que, ainda hoje, prendem os brancos, com os seus feitiços. [Em Itaparica foram celebrados vários casamentos entre franceses, suíços, ingleses, suecos, e homens de outras nacionalidades com as mulatas, inclusive continuam as bodas, a que se refere o historiador].

Foram os negros, trazidos da costas d’África, nos meados do século XVII, pelo capitão de navios Pedro de Athayde, que introduziram, na ilha, o candomblé, com os seus Babalôs, seus Axôguns e as suas Iyálôrixás.

Yemanjá, segundo Edson Carneiro [Edison Carneiro, n. Salvador, em 12.08.1912; f. Rio de Janeiro, em 02.12.1972, foi escritor brasileiro, especializado em temas afro-brasileiros. Fez seus estudos em Salvador, até diplomar-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Bahia, em 1963. Suas obras:

Negros Bantos, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1937;
O Quilombo dos Palmares, Editora Brasiliense, São Paulo 1947, 1958;
Castro Alves, 1947, 1958;
Candomblés da Bahia, Editora Museu do Estado da Bahia, Salvador, 1948, 1954, 1961;
Antologia do Negro Brasileiro, Editora Globo, Porto Alelegre, 1950;
A Cidade do Salvador, 1954;
A Conquista da Amazônia, 1956;
A Sabedoria Popular, 1957;
Insurreição Praiana, 1960;
Religiões Negras, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1963.], é a mãe de todos os orixás e de tudo que existe na face da terra.

Seu promogênito foi Dadá, a quem Fernan Ortiz [El gran sabio cubano nace el 16 de julio de 1881 y muere el 10 de abril de 1969 en La Habana. En su larga y fructífera vida, que dedicó no solo a la etnología, sino que abarcó también las ramas de la sociología, lingüística, musicología, jurisprudencia y crítica, publicó más de cien títulos, entre los que podemos citar: Apuntes para un estudio criminal: Los negros brujos (1906); Los mambises italianos (1909); Entre cubanos (1914); Los negros esclavos (1916), Los cabildos afrocubanos (1921); Historia de la arqueología indocubana (1922); Glosario de afronegrismos (1924); Alejandro de Humboldt y Cuba (1930); Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar (1940); Martí y las razas (1942); Las cuatro culturas indias de Cuba (1943); El engaño de las razas (1946); El huracán, su mitología y sus símbolos (1947); Los bailes y el teatro de los negros en el folklore de Cuba (1951); Los instrumentos de la música afrocubana, cinco volúmenes (1952); e Historia de una pelea cubana contra los demonios (1959). Publicaciones póstumas de obras inéditas de Fernando Ortiz son: Hampa afro-cubana... Los negros curros (1986); La santería y la brujería de los blancos (2000); Culecció d’els mal-noms de Ciutadélla (2000) y Visiones sobre Lam (2002).

Fernando Ortiz también escribió un sinnúmero de artículos para diversas publicaciones periódicas y fue fundador y/o director de algunas de estas, como Revista Bimestre Cubana, reeditada de nuevo desde 1910; Revista de Administración Teórica y Práctica del Estado, la Provincia y el Municipio (1912); Archivos del Folklore (1924); Surco (1930) y Ultra (1936). Don Fernando también creó instituciones, como Sociedad del Folklore Cubano (1923); Institución Hispanocubana de Cultura (1926); Instituto Panamericano de Geografía (1928); Sociedad de Estudios Afrocubanos (1937); Institución Internacional de Estudios Afroamericanos (1943) e Instituto Cultural Cubano-Soviético (1945).

“Tan ancha y honda fue la tarea de Don Fernando”, escribió Juan Marinello, “que puede cargar, sin pandearse, con el título de Tercer Descubridor de Cuba...” - Wikipédia], considera o deus [Dadá] dos meninos recém-nascidos.

Apesar das transformações por quem tem passado o culto da poderosa Senhora das Águas, ainda, assim, a sua festa, é, todo o ano celebrada, em Amoreiras [D istrito de Itaparica, prazeroso lugarejo e de praia de águas mornas e esplendorosa vista da maior parte da Baía de Todos os Santos], no dia 2 de fevereiro.

Nesse dia, o seu presente, é levado, em saveiros e canoas, até a pedra da Mercára, onde ela aparece, envolta num lençol de espumas, segundo a crença dos seus veneradores [a crença vê!].
Há uma alegria louca entre os devotos da Encantada.

São centenas de homens e mulheres conduzindo adornos e perfumes para a velha divindade que preserva o pescador das surpresas do mar.

Terminada a cerimônia cantam, as filhas de santo, benzendo as águas:
Minha Sereia da praia
Quero contigo nada
Quero vê o teu Castelo
Princesa de Aioká

Depois da benção há o bordejo pela enseada, o batuque, o samba de roda e as louvações.

Uma verdadeira procissão de crentes invade o antigo Terreiro do velho Eduardo, na Ponta de Areia [praia principal de Amoreiras onde os banhistas se deliciam], onde, ao som do Batá-Cotó, continua a festa que se prolonga até o outro dia.

Eduardo, o Alibá da Ponta de Areia, teve sempre uma grande clientela entre a gente do mar.
Era filho de Manuel Antonio de Paula, o que pertenceu ao misterioso culto do Eguns, e conservou, até a morte, o título de Obá-xorô.

São Cosme e São Damião, os filhos de Theodáta, são festejados, também em várias povoações da ilha. Em Gameleira e na Barra do Gil, os festejos obedecem ainda, ao antigo ritual.

No dia dos Orixás dos gêmeos, é servido, às crianças numa esteira de palha da Costa, estendida no chão, o Amalá de Ibeiji.

Faz parte do Amalá, caruru, a banana frita, o ovo cozido, o bolo de arroz, a galinha de molho pardo e a farofa de azeite de dendê.

São interessantes as cantigas entoadas durante a comida de Dois-Dois:

E te dou de come – Dois-Dois
Eu te dou de bebê – Dois –Dois
Eu tenho papai
Que dá de come
Eu tenho mamãe
Que me dá de bebê
Quem me dá de come
Também come.
Quem me da de beber
Também bebe.

Os convidados de maior categoria sentam-se à mesa larga servidos pelas filhas de santo que ostentam, cada qual, as insígnias dos Orixás a que pertencem.

As filhas de Ogun trazem colar e braceletes de contas azul marino, as de Oxalá de contas brancas e as de Oxun as de contas amarelas.

Além do eram-paterê, encontram-se na mesa, em pratos e terrinas fumegantes, as especialidades da cozinha africana, condimentadas, fortemente com o iérê e as favas de bejerecum. Não faltam, ao banquete, os acarajés apimentados, o olubó, o vatapá, com bolas de arroz aussá, o aberém, o humulucu, o efó, a galinha de ori, com camarões, o caruru, o ofun-oquedê, o abu e o latipá.

Nada de bebidas alcoólicas. Só o aluá de milho fermentado com gengibre e rapadura, é permitido aos devotos, beber à vontade.

Em 1889, Branner, o afamado geólogo norte-americano, assistiu, na costa da ilha, “a festa de Dois-Dois”. Assistiu a festa e tomou parte, no banquete, com surpresa dos praieiros, que ainda não tinham visto um estrangeiro comer com tanta satisfação, a “comida dos santos”.

São consideradas “águas santas”, as águas das quartinhas de São Cosme e São Damião, cuja festa, nos terreiros da ilha, é celebrada no dia 27 de setembro.

Outra festa que se realiza, ainda hoje, em Vera Cruz, é a de Xangô. Começa na noite de São Pedro, com a fogueira de Airá, e termina, no dia de São Nicolau, com a procissão de Iamacé.

Luís da Velosa

CAPÍTULO II

Nos tempos de assistir reunião do velho Serafim, o famoso pai de Santo do Terreiro da Cancela teve oportunidade de assistir à reunião dos Babalaôs, para o culto do mais poderoso Orixá que se festeja na ilha.

É grande o movimento, dos Terreiros, nas festas de Xangô.

Dezenas de abians, depois do oborí, são levadas para a camarinha ou liaché, onde ficam assistidas, pela mãe pequena, até o dia da consagração.

Dar o nome é a primeira obrigação, das filhas de santo, ao saírem da camarinha.

É dado, à referida cerimônia, o nome de ôrunkô.

As filhas de santo, depois de feitas, permanecem, durante três meses, com o Kelê, ou “gravata do orixá”, ao pescoço.

Pertencem à mãe do Terreiro, em que foram iniciadas, e só voltam à casa dos parentes, após a cerimônia da compra.

Terminada a festa da consagração, a iyabás, apregoam e vendem, numa espécie de leilão, a que chamam “quitanda da iaô, doces e frutas, num tabuleiro protegido por figas de guiné.

Consta, ainda, do ritual a visita dos santos padroeiros e a benção aos devotos, benção que é paga segundo as posses de cada um.

Os balangandãs são símbolos do culto africano. Tem os seus significados e as suas preferências.
As devotas de Xangô usam carneirinhos de ouro ou de prata, nos braceletes de contas vermelhas e brancas, que são as cores de sua predileção. As devotas de Oxún preferem o cacho de uvas; as de Oxossi, a espada e a lua crescente; as Umulu, o carangueijo e as de Oxalá, o peixe e a cruz.

O mais importante Terreiro que tivemos na antiga Vila de Itaparica, foi o dos Eguns, instalado no Tun-Tun pelos dois irmãos, Marcos e José Theodoro, afamados propagadores do culto iorubano.
Hoje o Olegário Daniel de Paula, o Ogê Ladê, do Terreiro de Barro Branco, é o mais popular dos nossos babalaôs.

O famoso Pai de Santo exerce, no seu Terreiro, uma autoridade indiscutida.

Nos candomblés, segundo o ritual sagrado, é ele quem tira o ponto, enquanto as filhas dos orixás enchem o Terreiro, com os ritmos bárbaros das suas canções.

Nas matanças, preside os sacrifícios, oferecendo, aos deuses, o sangue dos animais sacrificados.

O Roxinho e o Terêncio são os zeladores da Casa.

Olorum é o deus protetor dos pescadores.

Vive, segundo a crença dos iorubas, no fundo do mar, cercado de espíritos.

Tem várias mulheres, inclusive Olosá, a mais querida de todas elas.

Yansã, a deusa iorubana das tempestades, segundo Câmara Cascudo, é uma das três mulheres de Xangô.

Gunocô, também chamado, pelos nagôs, Orixá-ô-cô, no dizer de Manoel Quirino, “da consultas, prevê males, e ordena a observação de preceitos contra o que está para acontecer”.
É interessante o cerimonial dos ioruba.

Se sucede morrer algum maioral da seita, decorridos sete dias, reúnem-se os irmãos, em torno do ixé, para as lamentações do cerrum.

Depois do sangelu, filhos e filhas da casa, ao ritmo dos ingombas, cantam o Axêxê-Axêxê-ô.

É o Cñtico da saudade. Em seguida há o despacho feito com as moeds que os devotos esfregam no corpo e depositam na ibá-xequerê colocada no centro da sala, pelo Babalaô.

Entre os ioruba, a festa dos mortos é celebrada no mês de junho de cada ano.

O ossé, ou a lavagem dos vasos sagrados, é feito pelas filhas do Terreiro em determinado dia, com água sagrada, apanhada em frente, antes do sol nascer.

Depois da Iyá-Kê-Kêrê, são as Dagãs as personagens mais graduadas do Terreiro. Dagã, Otún-Dagã e Ossi-Dagã. Há também as Iyamôrôs e as Oiês, escolhidas, pela Iyalôrixá, entre as mais entendidas nas cerimônias do culto.

Ebomins são as filhas de santo que têm mais de sete anos de feitas.

A Iya-tê-bê-xê, é incumbida de puxar os cânticos, enquanto a Iya-bassê se encarrega dos trabalhos da cosinha.

A comida de Oxum é o xinxim de galinha, a de Ogum, o guizado da carne de vaca; e a de Xangô, ó amalá de quiabos, camarões e azeite de dendê.

A festa em louvor de São João Batista, o Kelendê dos nagôs, era celebrada antigamente no dia 23 de junho, no Terreiro do Tun-Tun.

Feito o embê era preparada, a comida dos santos, e distribuída pela mã do Terreiro, que, após a distribuição, encerrava-se na camarinha.

Ao anoitecer, acesa a fogueira, em frente do Barracão, começavam as danças que se prolongavam até a meia noite, quando era levado o presente ao santo protetor, no encruzamento da Estrada Velha.

Na volta, banhavam-se as filhas de santo no Riacho das Sereias, “e entravam, madrugada alta, pelo Terreiro a dentro, cantando agô-ilê”.

A festa dos pratos de Nana, consagrada anualmente, a Nanã Burucu (Senhora Santana), é celebrada nos terreiros da ilha no último domingo de agosto.

Há nesse dia, a cerimônia da benção das frutas e outras oferendas levadas pelos devotos para o banquete da Rainha dos Orixás.

Dar comida aos santos é uma cerimônia assistida, sempre, pelos Babás e pelos Ogãs, que são os protetores do Terreiro.

Começa pelo Padê de Exu.

Formadas em torno do pagí-gã (o dono do altar, as filhas dos Orixás agitam-se, vertiginosamente, e cantam ao som dos atabaques:

Exu Barabô
Emojubá
Ebô coxé
Exu Barabô
Emojubá
Emode, ekô, ekô
Barabô
Emojubá
Lobara Exu Lonan
Depois do padê são feitas as saudações aos grandes orixás.
Ogún, ajo Mariô
Ogún ajo ê mariô
Xangô terê, mobá terê
Xangô terê, mobá terê
Xaurô lese, anran, anran
Aloire é uma divindade angolense que protege e guarda, os lares, contra as ciladas de Exu.
Cada Santo ou Orixá tem o seu dia.
Segunda-feira – Exu e Omolu
Terça-feira – Nanã e Oxumaré
Quarta-feira – Xangô e Yansã
Quinta-feira – Ogún e Oxossi
Sexta-feira – Oxalá
Sábado – Yemanjá e Oxún
Domingo – Todos os Orixás.
É o interessante e variada a identificação católica dos Orixás:
Yemanjá – Nossa Senhora da Conceição
Oxún – Nossa Senhora das Candeias
Oxalá – Senhor do Bonfim
Xangô – São Gerônimo
Ogún – Santo Antônio
Irôco – São Francisco de Assis
Omolu ou Umulu – São Lázaro.

O Senhor da Vera Cruz é o Grande Pai, o Babá Okê dos nossos Terreiros. É festejado no dia 14 de setembro. Suas devotas trajam-se de branco e as povoações praieiras, em seu louvor, amanhecem, todos os anos, no dia da sua festa, enfeitadas, profusamente, com bandeiras brancas.

A festa de Alê, era celebrada no Terreiro de Marcos Theodoro, no Tun-Tun, no dia de Ano Bom.
Angoroméia é a divindade ioruba, também festejada nos Terreiros da ilha. É identificada como Santa Isabel, a mãe de São João Batista. Os instrumentos usados, pelos negros, nas suas danças, são : os ílus, o amelê, o rum, o bata-cotô, o ágüe, o agogô, o adjá e o afofiê.

Luís da Velosa

CAPÍTULO III

A gameleira branca, o Iôko, é a árvore sagrada dos nagôs. À sua sombra, em certos dias, eram feitas as matanças e preparadas as oferendas destinadas às divindades da seita.

Na ilha a influência dos Gêges, foi quase nula. Abolido o cativeiro, conservaram-se eles na antiga Povoação da Ponta das Baleias, trabalhando, como tarefeiros, nas armações de pesca e nas destilarias de aguardentes. Eram, na sua maioria, tanoeiros e forjadores. Nos dias de preceito faziam os seus despachos e dançavam o candomblé no Terreiro do Mestre Evódio, velho adorador de Avrikiti divindade marinha, cuja devoção foi trazida das terras de Daomé. As principais figuras do terreiro do velho Evódio, eram: Tio Cassiano, Mestre Jorge, Tia Henriqueta, e Mestre Antônio Laê.

Os escravos Gêges foram introduzidos na Bahia, pelo mestiço Félix de Souza, brasileiro que residia em São João de Ajuda e obtivera o monopólio do tráfico de escravos em toda aquela região, graças a influência que exercia junto ao rei Gézo. O monarca africano, segundo o professor Artur Ramos, chegou a conferir a Feliz de Souza, o título de Chá-Chá de Ajuda.

Os Gêges adoravam a Dangbé, a serpente sagrada que figurava nos seus candomblés. Não era menos fervoroso o seu culto pelo Arco-Íris, ao que chamavam Obessém.
São profundos os mistérios do culto africano.

Maria Bibiana do Espírito Santo, a Mãe Senhora, foi Yiolorixá do mais famoso candomblé da Bahia: o Axê-Opô-Afonjá. Fundou na Ponta de Areia, no alto da Bela Vista, em Itaparica, a Ilê de Aboulá, freqüentada nas festas pelas figuras mais importantes do seu Terreiro. É zelador do Ilô da Bela Vista, Antônio Daniel de Paula, filho sucessor do velho Eduardo da Ponta da Areia. Sobre a morte de Mãe Senhora, a Yialorixá que reinou por muitos anos em São Gonçalo do Retiro, e foi consagrada, na Guanabara, em 13 de maio de 1965, a MÃE PRETA DO BRASIL. Há episódios surpreendentes narrados pela conhecida africanista Zora Seijan, numa correspondência que A TARDE publicou na sua edição de 3 de junho de 1967:

“Estávamos em Warri, nas margens do Rio Etíope, visitando o maior colégio secundário da Nigéria. Havíamos percorrido a cidade velha e deslizado pelo rio, em barca, passando ao largo de navios do mar e canoas rudes. Os deuses das águas, gente de Olokun, o terrível pai do oceano, moram em casinholas de sapé, nos alagadiços cobertos de vegetação.

É o Hussey Collegy um estabelecimento modelo. Estende-se por milhas, como povoado, com seus edifícios escolares e as casas dos professores. Um destes inspirou-se nas colunas “V” de Brasília.

Discutimos com os professores temas atuais de estética e filosofia. Vimos arte, ouvimos e fizemos conferências, constamos a harmonia entre a cultura e tradição, sob os auspícios de amor erudito. Gostei das cerâmicas e das danças itsekiris. Lembro-me de alguns bailados: o dos leques, e dos penachos e o do culto aos antepassados, no qual os bailarinos usam máscaras em forma de peixe, parecendo casquetes em cujas bordas, são pregadas até o chão fazendas de estampas fulgurantes.no braço esquerdo.

Passamos com a gente tranqüila daquela nação, passeios imponentes, de caminhar lento porque os homens usam camisas européias, casacas e saias de caudas longas que deslizam pelo chão ou se recolhem graciosas no braço esquerdo.

Quando visitamos Ogbemi Rewani, o diretor do Hussey Collegy, encontramos privando da sua douta intimidade um velho, muito velhinho, de olhos brilhantes e rosto vivo. Era um famoso Babalaô que só falava uma língua já morta, uma espécie de latim do culto de Ifá, dono da adivinhação. Poucos os que podiam conversar com ele, como pai Rewani, também Bablaô e idoso. A seu pedido, o velho de olhar brilhante jogou para nós as correntes do mestre dos segredos.
Tudo quanto disse está acontecendo, as coisas boas e as ruins. E a pior delas com que dor escrevo – foi a morte de minha querida amiga Senhora. Disse o Babalaô na língua dele que Senhora ia morrer. O pai de Rewani traduziu para a língua itsekiri e Rewani para o inglês. Nós comentamos em português: mentira! Andou nos idiomas do mundo o aviso medonho. Tratei de esquecê-lo. Disse para mim: tolice, ele se enganou, não pode ser, não quero que seja. E esqueci mesmo.
Quando voltamos ao Brasil, alguns meses depois, veio me ver uma amiga fraternal, Eulina de Xangô:

- Sabe, minha irmã, nossa mãe já recebeu o “aviso”.

Aviso? – Sim, o aviso de passagem”. - O que é isto, insistiu minha patetice. – Vamos perdê-la. Não é para já, mas ela já está se despedindo.

Eulina é filha de santo de Senhora, das mais antigas e fiéis. Além da linha do candomblé circula entre caboclos e pretos velhos.

Fiquei arrepiada, o Babalaô dos olhos de fogo e agora Eulina.

- Como é que você sabe disto, criatura?

- Foi minha velha que contou.

Respirei aliviada. Era coisa de macumba, não vinha da Bahia, oficialmente de “Axé-Opô-Afonjá” o candomblé de São Gonçalo do Retiro, onde Senhora reinava. Calei minha boca, nada contei do Babalaô e telegrafei para Salvador pedindo notícias. Senhora não estava passando bem. Vinha sentindo-se indisposta há algum tempo. Então escrevi para Pierre Verger, o antropólogo francês que passa seis meses na África e seis no Brasil e entende da seita dos candomblés mais do que estes pai-de-santos jovens e novidadeiros que não conhecem os segredos profunfos dos orixás. Não falei de Elina nem de Warri, só da doença – que segundo resposta de Xangô para Senhora, “era doença de médico, não era de feitiço”. Verger veio de Osogbo, a cidade de Oxum, e trouxe uma coisa para Senhora colocar sobre a língua. Feito isto, pouco depois, Senhora ria e lidava, bm disposta e cheia de entusiasmo, passando descompostura nos relaxados e desatentos. Estivemos nesta época na Bahia e ela queixou-se:

- Imagine, Zora, que Eulina teve a ousadia de me pedir para tirar minha mão da cabeça dela, já ouviu?

- Vai ver ela teve medo de ficar doente no Rio e não poder vir mais aqui, ela anda meio caída. Senhora não se deu ao trabalho de responder. Continuou picando quiabo, como fazia todas as quartas-feiras para amalá de Xangô – Kabieci!

- Tirar minha mão da cabeça dela... como se estivesse para morrer. Quando chegar a minha hora vou com as graças de Deus. Sou muito contra essas Yialorixás que doentes deixam uma filha morrer no lugar delas. Nós temos de obedecer a lei de Deus. Aprendi assim com minha mãe Aninha e conservo a mesma direção deixada por ela.

A propósito, Senhora cantou algumas cantigas na língua ioruba, zombando do aviso que Eulina tentara dar-lhe.

No dia 22 de janeiro último, recebemos, em Nova Iorque, uma carta de Jorge Amado: “Tenho de dar uma notícia terrível para vocês, mas que remédio, é preciso contar que Senhora morreu...” Vieram depois outras com recortes do enterro e do que se falou dla em jornais e revistas.

Reunimos os amigos de Senhora e mandamos celebrar missa na capela das Nações Unidas. Um mês depois, outra missa em Paris, na Igreja de Saint Germain des Prés. Senhora deixou amigos na França, na América, na Inglaterra e em tantos outros países.

A terra caindo. Assim guardo pedaço de vida, seu riso alegre, seu corpo enorme dançando tão leve, cantando com Foi bom ter estado longe e não ter visto Senhora morta. Senhora sendo enterrada. O axexê de Senhora voz dengosa e meneios faceiros”.

Coligimos de uns apontamentos divulgados por Deoscóredes dos Santos, o Assobá do Axé-Apô-Afonja, que Maria Bibiana do Espírito Santo, a Mãe Senhora, “foi condecorada, em 1966, pelo Governo Senegalês, com a medalha de Cavaleiro da Ordem do Mérito, pela preservação da cultura e tradição africanas no Brasil”.

Quando esteve em Itaparica, aos 25 anos de idade, freqüentou, no Tun-Tun, o Terreiro do Eguns, dirigido por Marcos Theodoro Pimentel, conquistando, no mesmo Terreiro, o título de Yá Egbé Aboulá.

Com a morte de Marcos, passou a freqüentar o Terreiro de Alibá, Eduardo Daniel de Paula, conservando o título que havia conquistado.

Nas proximidades da morte de Mãe Senhora, Deóscoredes esteve no Reino Kêtu, na África, fazendo pesquisas sobre a família da famosa Yialorixá, iniciada, no culto dos seus ancestrais, com o nome de Oxum Muiwá”.

Agora entendo que deve haver uma pessoa graduada, culta e íntegra, que comprometa a sua destinação com as grandes missões, oriunda dos Terreiros, que fiscalize a continuidade dessas comemorações religiosas em todo o Brasil. Essa pessoa não pode ser prosélita nem receber nenhum título de governos. Só dos seus templos, se reconhecido for. Não se pode esquecer, como aconteceu com outras religiões, serem relegadas as celebrações, e sim, mantendo a nossa cultura e os nossos sentimentos espirituais. Nada pode ser esquecido, principalmente, por nós, o que nos chegou da Mãe África, nosso berço encantado, amado e verdadeiramente de onde todos brotamos.

Postado por Luís da Velosa

Referência:

Osório.Ubaldo. Ilha de Itaparica. História e Tradição. IV Edição, 1979, p.317-328. Fundação Cultural do Estado da Bahia.

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