PIGMALIÃO E GALATÉIA

Todo homem solteiro seria um Pigmalião? Claro que não. Há solteiro e solteiro. Tenho mesmo amigos inuptos, que têm quase uma obsessão pelo belo sexo, aliás, o mais belo e complexo dos sexos. Só Balzac o conhecia profundamente. Hoje, ninguém mais o reconhece. Tem também quem o detesta como, por exemplo, Pigmalião. Mas, na verdade, ele gostava de mulher, nas profundezas recônditas de sua alma, mas não de carne e osso. Como era escultor, e tinha intimidade com o marfim, resolveu esculpir uma mulher belíssima, que com nenhuma dessas musas modernas – as famosas e... – poderia assemelhar-se. Tinha que ser de uma beleza sem par. Na verdade, ele teria que ser tão bela, tão linda, que mesmo em sendo uma escultura, teria que parecer sempre animada, como se fosse não por ele feita, mas pela própria natureza. Ele desejava, artista vaidoso ao paroxismo, endeusar-se e fazer da arte uma criação da natureza, divinal. Bem, a obra viva ficou pronta e tornou-se para ele objeto de gestos que a fazia parecer uma mulher de verdade, à qual ele presenteava, acariciava-a, ornava-a de jóias preciosas, lindos vestidos, e muitas outras coisas que só se dá a quem se ama verdadeiramente. Nem a sua nudez esplendorosa, impressionava-o tanto quanto a sua pudica imagem vestida e paramentada. Aí sim, nesse ponto, já a tinha como esposa, até com ela deitando-se sobre lençóis bordados a ouro e púrpura, a cor da realeza e das dignidades eclesiais.

Sabedor das proximidades do festival de Vênus, que era celebrado na ilha de Chipre, com pompas faraônicas. Naquele ambiente em que os incensos embalsamavam os ares, Pigmalião, quase genuflexo ao modo da excentricidade que caracterizava as suas extravagantes manifestações, disse, num altar:

- Deuses, peço-vos por todos os teus poderes; por tudo aquilo que quiseres fazer, concedei-me a graça de esposá-la, e que se assemelhe à virgem entalhada em marfim. Vênus, que por perto fazia, endeusada, as honras da Casa, ao ouvir estranho rogo, mas repleto de amor, entendendo o seu propósito, que ele não ousara em oração revelar, e fez o altar clarear intensamente em perfulgência, por três vezes.

Voltando para casa, ansioso de amor, achegou-se à estátua que deitada ao leito transbordava de beleza e beijou-a na boca. Para seu espanto sentiu os seus lábios quentes, osculando-a novamente e abraço-a; o marfim tornou-se macio ao seu toque. Sem acreditar, mas feliz, repetiu os gestos por muitas vezes, ardorosamente, e se convenceu de que o objeto desejado estava fervoroso, vivo. De tantos amores, a virgem abriu os olhos, corada de prazer. Vênus na sua onipresença abençoou as núpcias de Galatéia com Pigmalião, que ela mesma tornou realidade, nascendo, dessa união, Pafos, nome da cidade consagrada a Vênus.

Luís da Velosa

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