SE EU TE DISSESSE

Se eu te dissesse que cindindo os mares,
Triste, pendido sobre a vítrea vaga,
Eu desfolhava de teu nome as pétalas
Ao salso vento, que as marés afaga...

Se eu te dissesse que por ermos cimos,
Por ínvios trilhos de uma país distante,
Teu casto riso, teu olhar celeste
Urgia o lábio ao viajor errante;

Se eu te dissesse que do alvergue à ermida,
Do monte ao vale, da chapada à selva,
Junta comigo vagueou tua alma;
Junta comigo pernoitou na relva;

Se eu te dissesse que ao relento frio
Dei minha fronte à viração gemente,
E olhando o rumo de teu lar – saudoso,
Molhei as trevas de meu pranto algente;

Se eu te dissesse, pela flor das salas!
Que eu dei teu nome dos sertões às flores!...
E ousei, na trova em que os pastores gemem,
Por ti, senhora, improvisar de amores;

Se eu te dissesse que tu foste a concha
Que o peregrino traz da Terra Santa,
Mago amuleto que no seio mora,
Doce relíquia... talismã que encanta!...

Se eu te dissesse que tu foste a rosa
Que ornava a gorra ao menestrel divino;
Cruz que o Templário conchegava ao peito
Quando nas naves reboava o hino;

Se eu te dissesse que tu és criança!
O anjo-da-guarda que me orvalha as preces...;
Se eu te dissesse.... – Foi talvez mentira! –
Se eu te dissesse.... Tu talvez dissesses....

Santa Isabel, 15 de agosto de 1870. (EF: OC, p. 459-460)

Nota de Myriam Fraga – “Uma das mais enigmáticas poesias da lírica de Castro Alves quanto à sua inspiradora. Escrito na Fazenda Santa Isabel, o poema é uma declaração de amor que dá testemunho de um sentimento eternizado através do tempo. Se lembrarmos da composição Fé, esperança e caridade, em que também está patente a permanência de um amor que, nascido na infância, acompanha a trajetória do poeta nas várias fases de sua vida, podemos imaginar que a lembrança de Leonídia, a amiguinha de infância, a jovem encantadora que o enfeitiçara na adolescência, a mulher que o amparou na adversidade e na doença, tenha sido realmente uma fonte constante de inspiração.

Não podemos esquecer, porém, que, mais que um fingidor, o poeta é um multiplicador. Ele cria sobre o que foi, o que poderia ter sido e o que gostaria que tivesse sido.

Resta a ambigüidade, que torna o poema uma caixa de segredos, um caleidoscópio de sonhos: Se eu te dissesse... Pragmática, a musa desconfia: Foi talvez mentira...

Para completar o quebra-cabeças, o poema, que foi dedicado a Franklin de Menezes Fraga, irmão de Leonídia, com dedicatória “Ao Tapageateur Franklin”, tem correspondência com Recitativo, de Fagundes Varela (VARELA, Fagundes. Recitativo. In: VARELA, 1943, p. 87-88), o que faz pensar que tenha sido escrito a partir de um mote, seja um assunto, seja uma ocorrência, uma situação.

O poeta costumava manter um diálogo permanente com os autores de sua predileção e com os amigos, daí sua correspondência cheia de alusões e a constante recorrência às epígrafes nos poemas.”

Referência: FRAGA. MYRIAM. Leonídia a musa infeliz do poeta Castro Alves, 2002, p. 189-190.

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